terça-feira, 15 de dezembro de 2009

A última dos vereadores da capital

Cesar Valente ; 15/12/2009

A Câmara de Vereadores de Florianópolis não pode ser considerada, a rigor, uma caixinha de surpresas. O prefeito tem ali sólida maioria e uma estreita aliança com o presidente da Casa, o que torna virtualmenet impossível aprovar ou rejeitar qualquer proposta que contrarie os desígnios superiores.

Portanto, por mais que a minúscula oposição esperneie, faz-se sempre o que seu mestre mandar. Mesmo que, depois de concluída a votação, a bancada do governo queira atribuir à oposição alguma dificuldade ou intenção malévola. Esse argumento não tem fundamento lógico e só deve ser levado a sério quando, por algum motivo especial, o prefeito deixar de ter, sob controle rigoroso, a maioria dos vereadores. Mas há muitos casos em que as votações são por unanimidade, com a “oposição” se abraçando à situação, irmanados sabe-se lá por quais motivos.

Ontem à noite, a Câmara votou um projeto que, por si só, é de deixar os cabelos das pessoas de bem em pé. “Regulariza” o que antes estava irregular (ou clandestino!), jogando por terra as normas anteriores e considerando imbecis e idiotas tanto os otários que seguiram as normas, quanto os servidores municipais que tentaram fazer as normas serem seguidas (e certamente foram dissuadidos, a cada passo, pelos vereadores, aos longos das legislaturas):

“Por unanimidade (16 votos), a Câmara de Vereadores aprovou na sessão da noite de hoje (14/12) o projeto de lei 950/2008, do Executivo, prevendo que as construções irregulares, clandestinas e não adequadas para atividade originalmente legalizada existentes no município até 31 de dezembro de 2006, poderão ser aprovadas para fins de concessão do “habite-se”. O projeto aprovado considera irregular a construção, reforma ou ampliação de edificações executadas em desacordo com o projeto aprovado pela Prefeitura. Por clandestina considera a construção, reforma ou ampliação de edificações executadas sem a aprovação dos setores competentes municipais. Segundo informações da Prefeitura, 61% dos imóveis em Florianópolis não estão regularizados e funcionam com alvarás “ex-oficio”, de caráter precário.

Pra mim (que posso estar completamente errado, uma vez que sou praticamente um ancião ranzinza e de paciência escassa), é um escândalo. Afirmam, os senhores vereadores e o senhor prefeito, que, quando a maioria comete um crime, uma contravenção, desobedece alguma norma ou lei, esse fato deve ser considerado relevante para que seja concedida anistia ampla e irrestrita.

A seguir esse raciocínio, se 61% da população estiver sendo processada por roubo, caberia votar alguma coisa que revogasse o mandamento “Não roubarás” e toda a legislação que impeça a apropriação dos bens alheios.

Não estou exagerando. Foi exatamente isso que foi aprovado: quem instalou uma empresa em área residencial, em vez de ser expulso e tirado dali, como previa a lei e como esperavam os vizinhos, terá oportunidade de legalizar a invasão. Chance de ouro de lavar a contravenção, limpar as impressões digitais do crime e que se danem os 40% que estão adequadamente instalados. Quem mandou serem burros e confiar na lenda de que lei é pra ser cumprida. Dane-se a lei.

Sempre poderemos confiar que apareça uma dupla caipira, tipo Dário & Gean, disposta a fazer vistas grossas aos irregulares e clandestinos. Afinal, são todos boa gente, eleitores confiáveis. Se a lei incomoda, mude-se a lei.

IMPACTO NA CABEÇA DA VIZINHANÇA

E hoje de manhã, pra completar o pacote natalino da Câmara, o projeto que previa estudos de impacto de vizinhança para novos empreendimentos no município, foi rejeitado:

“Por não ter obtido a maioria absoluta de 11 votos, equivalente a dois terços, foi rejeitado em sessão extraordinária da Câmara de Vereadores, na manhã de hoje (15/12) o projeto de lei complementar do Executivo 952/2008 que instituía o Estudo de Impacto de Vizinhança. Se fosse aprovado, o EIV e o Relatório do Estudo do Impacto de Vizinhança (REIV) seriam exigidos pelo poder público municipal nas concessões de licenças para construção, ampliação ou funcionamento dos empreendimentos e atividades privados ou públicos previstos em área urbana ou de expansão urbana. A votação ficou empatada em 7 votos a favor e 7 contra, com uma abstenção e uma ausência.”

Pelo número de votos dá pra notar que alguma coisa aconteceu no percurso. Além dos minguados vereadores “de oposição”, também votaram contra vereadores da base de apoio. Os maledicentes certamente imaginarão que algum acerto ficou pendente no caminho, motivando o amuo e o voto contra. Os mais maledicentes ainda, dirão que foi proposital: não interessa ao prefeito criar dificuldades aos novos projetos. Com a rejeição, os empreendedores ganham tempo para ir tocando suas vidinhas. Livres, leves e soltos.

De qualquer forma, nenhum drama: mesmo quando o impacto de vizinhança vier a ser aprovado, não há necessidade de cumprir a norma. Basta deixar a coisa pendente, ir empurrando com a barriga, até que mais adiante se perdoe todos aqueles que estão irregulares. Tal como foi feito com os alvarás ex-ofício.

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