quarta-feira, 21 de julho de 2010

Blog De Olho na Capital (Cesar Valente) ; 21/7/2010

Ministério Público revela os bastidores da “enrolation”
Por Cesar Valente ⋅ 21 de julho de 2010, às 18:55

A arquiteta Cristina Maria da Silveira Piazza, na sua coletiva de hoje (ver também a nota anterior a esta), tentou envolver o Ministério Público, mais especificamente o promotor Rui Arno Richter, da 28ª Promotoria de Justiça da Capital, na enroladíssima armação de recuperação do prédio da antiga Câmara de Vereadores (e cadeia) de Florianópolis. O promotor, preocupado com o uso indevido de seu nome, tratou de divulgar uma longa nota de esclarecimento.

E da leitura da nota afloram coisas muito interessantes: a prefeitura, de fato, abandonou aquele prédio histórico e estava praticando a mais deslavada “enrolation”, do tipo clássico: “não faz nem sai de cima”. E aí surge essa figura multifacetada, a Piazza, que como delegada do Instituto dos Arquitetos do Brasil, denuncia o abandono do prédio e pede providências. Depois, já como diretora do Ipuf, promete captar recursos. Magicamente, como diretora de uma Oscip, faz convênio com ela mesma, diretora do Ipuf, para uma restauração que não saiu do papel. E agora diz que o MP aprovou esse conveniente convênio. O promotor diz que não foi bem assim.

Recostem-se e leiam com atenção. Vale a pena conhecer os bastidores de mais esse caso que abrilhanta a gestão Berger.

“ESCLARECIMENTOS

A atribuição da 28ª Promotoria de Justiça da Capital limita-se à matéria de Defesa do Meio Ambiente, que abrange a área de Patrimônio Cultural;

Em razão disso, tramita na 28ª Promotoria de Justiça inquérito civil público (ICP) que tem por objeto o restauro da Antiga Casa de Câmara e Cadeia, imóvel tombado pelo Município de Florianópolis, que após deixar de ser sede do Poder Legislativo Municipal, salvo eventos esporádicos e não autorizados pelo Serviço de Patrimônio Histórico (SEPHAN) do IPUF, entrou em desuso e apresenta risco de deterioração se não tomadas as providências necessárias por seu proprietário, o Município de Florianópolis;

O primeiro documento deste ICP trata-se de uma representação ao Ministério Público pedindo providências quanto à suposta descaracterização do prédio histórico protocolizado em janeiro de 2007 pelo Instituto de Arquitetos do Brasil – IAB, cuja Presidente do Departamento de Santa Catarina e signatária do documento foi, à época, a arquiteta Cristina Maria da Silveira Piazza;

Desde então, em reiteradas oportunidades o IPUF apresentou documentos que descreviam as intenções de recuperação do patrimônio sem que objetivamente se tivesse avanço;

Em novembro de 2007 foi expedida Recomendação nº 017/2007/28ªPJ no sentido de que o senhor Prefeito Municipal e Fundação Franklin Cascaes promovessem as necessárias reformas no imóvel, devendo ambos consultar e respeitar as determinações técnicas emanadas do SEPHAN/IPUF, tendo recebido como resposta ofício da Fundação Franklin Cascaes que anunciava estar preparando projeto para captar recursos para o restauro da referida edificação serem repassados a empresa que viesse a ser contratada pela Prefeitura para realizar as obras;

Em dezembro de 2007, a Secretaria Municipal de Governo encaminhou cópia de Proposta de Restauração, Reutilização e Conservação da Antiga Casa de Câmara e Cadeia, elaborado por historiadores, arquitetos e restauradora, alguns vinculados ao IPUF, outros ao Instituto Histórico e Geográfico de SC e a FCFFC/Casa da Memória;

Havendo notícia de novos usos inadequados do imóvel, foi convocada reunião com o IPUF e Procuradoria-Geral do Município (PGM) para 26 de junho de 2008, na qual foi informado o provável interesse arqueológico que demandaria prospecção de solo precedente ao restauro propriamente dito, assumindo os órgãos municipais compromissos no sentido de captar recursos junto ao Governo do Estado para a os trabalhos de prospecção arqueológica preliminar, inspeção relativas aos itens emergenciais de conservação do prédio e devolução das chaves do imóvel à PGM para prevenir novos usos não autorizados;

Em outubro de 2008 o IPUF comunicou a tomada de medidas de emergência para evitar a deterioração do imóvel e a não viabilização de recursos para o projeto de prospecção arqueológica;

Novamente questionado pelo Ministério Público sobre o destino do patrimônio cultural em questão, o IPUF, em julho de 2009 enviou “Plano de Ação para a Restauração” da casa e novo relatório sobre seu estado de conservação (a partir desta data os ofícios são assinados também pela arquiteta Cristina Maria da Silveira Piazza na condição de Diretora de Planejamento);

Em outubro de 2009 a 28ª Promotoria de Justiça enviou novo ofício ao IPUF, para que fossem apresentados documentos que comprovassem ações efetivas de cumprimento do plano anunciado;

Sem resposta, o Ministério Público notificou o IPUF, PGM e o senhor Prefeito Municipal para reunião em 04 de março de 2010, que teria como finalidade formalizar Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) em que houvesse comprometimento com prazos de execução do restauro necessário;

Foi nesta última data que compareceram dois Procuradores do Município, o Assessor Jurídico da SMDU, advogada do IPUF e a arquiteta Cristina Maria da Silveira Piazza, que portava na ocasião autorização do Prefeito em exercício para representá-lo, uma vez que o Chefe do Poder Executivo encontrava-se em viagem a Seul, Coréia do Sul;

No mesmo ato, a então diretora de planejamento do IPUF, a fim de demonstrar avanço na questão do restauro, apresentou o denominado “Termo de Parceria nº 001/2010” entre o Município de Florianópolis e o Instituto Nacional para o Desenvolvimento das Artes, Arquitetura e Turismo das Cidades (“DIVERSCIDADES”), além de cópia do Estatuto do instituto;

Dada a insuficiência de tais documentos para instruir o TAC almejado, visto que isoladamente a documentação apresentada não informava que ato formal autorizara o Município a firmar tal parceria nem previa datas específicas para as ações de restauro, foi assinalado derradeiro prazo para que a diretora de planejamento do IPUF e no ato representante do Prefeito Municipal apresentasse ao Ministério Público, além de plantas e projetos já elaborados, do projeto de restauro, cronograma das obras, também cópia de processo administrativo, respectivo à tramitação das proposições técnicas que culminaram na formalização do Termo de Parceria com o que se pretendida esclarecer determinadas contradições dos documentos, entre elas o fato de que o Termo de Parceria estava assinado pelo Diverscidades por Simara Callegari, enquanto na sua introdução constava como presidente da entidade a arquiteta Cristina Maria da Silveira Piazza;

Extrapolando os trinta dias concedidos, apenas no dia 17 de junho o IPUF apresentou parte daquilo a que se comprometera, e nenhum processo administrativo que justificasse a formalização do Termo de Parceria;

Em contato telefônico, a arquiteta Cristina Maria da Silveira Piazza solicitou nova reunião presencial para prestar esclarecimentos adicionais, a ser agendada na segunda quinzena do mês de julho, sob o argumento de que um técnico especializado que desejava participasse do ato somente a partir de então poderia se fazer presente;

O término da primeira quinzena deste mês de julho coincidiu com o anúncio pela imprensa da exoneração da arquiteta Cristina Maria da Silveira Piazza da função de diretora de planejamento do IPUF e também da anulação do Termo de Parceria em foco;

Em seqüência de seu trabalho em defesa do Patrimônio Cultural de Florianópolis, a 28ª Promotoria de Justiça notificará o Município e o IPUF para que apresentem cronograma de restauro do imóvel em questão para, se possível, resolver a questão de interesse de toda a cidade extrajudicialmente. Caso contrário, ingressará em juízo com as ações cabíveis para obter comando judicial no mesmo sentido;

Por fim, do histórico extenso de tratativas acima mencionado é possível perceber que em nenhum momento o Ministério Público foi “consultado” sobre a regularidade ou conveniência de formalização do termo de parceria invocado como solução para o caso (e nem poderia ser, já que lhe é vedada a atividade de consultoria a órgãos públicos), termo que agora se sabe nunca foi publicado em órgão oficial de imprensa, e que a sua mera apresentação como justificativa para o encaminhamento do restauro do imóvel tombado não significou e não obteve qualquer espécie de ratificação pelo Ministério Público, que se reservara a analisar tão logo os esclarecimentos prometidos fossem prestados;

Assim, convém ressaltar que o mérito da ocorrência ou não de ato de improbidade administrativa ou atuação irregular do instituto presidido pela arquiteta Cristina Maria da Silveira Piazza não será tratado, evidentemente, no âmbito desta Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente, e sim naquelas com atribuição para tanto, que já instauraram os cabíveis procedimentos de investigação sobre estes aspectos do caso.”

Florianópolis, 21 de julho de 2010.

Rui Arno Richter
28º Promotor de Justiça da Capital


A patética entrevista coletiva da sobrinha do ex-governador serviu para afastar as nuvens que toldavam a nossa visão e transformar em fundados indícios algumas hipóteses:

1. A arquiteta, nos seus dias de glória, não tinha pejo de se apresentar, por onde andava, como “sobrinha do Luiz Henrique”. Por mais que seus méritos profissionais a qualifiquem para o cargo, essa ligação que ela fazia questão de enfatizar dava uma aura política à nomeação que, afinal, tinha mesmo sido política, como ocorre com todos os comissionados. Sua exoneração, portanto, deve ter uma lógica semelhante à da nomeação: a sobrinha do LHS pode ter dançado porque Dário e LHS não dividem mais a primeira classe dos vôos internacionais.

2. O pretexto para a exoneração é apenas um pretexto. Os esquemas são montados de comum acordo, com perfeito conhecimento de todos os envolvidos (ninguém, nesses ambientes onde todos desconfiam de todos e todos querem saber quem leva o que, assina sem ler um convênio para arrecadar R$ 25 milhões). Tirar o corpo fora quando necessário ou quando se pressente que vai dar merda, é recurso rasteiro de bandos que não hesitam em “queimar” companheiros para preservar os líderes.

3. Alguém precisa dizer, urgentemente, à população catarinense e em especial aos agentes políticos e servidores comissionados, que dinheiro de renúncia fiscal é dinheiro público. O inefável Mário Cavallazzi também volta e meia vinha com essa história de que “não teve dinheiro público na festa de Natal”. Agora ela ressurge, com a alegação que o dinheiro para o restauro da antiga cadeia não era público porque seria “captado via incentivos da lei Rouanet”. No caso da arquiteta, deve ser cacoete herdado do tio, que também tratava assim os fundilhos que montou para que o dinheiro dos impostos não chegasse ao tesouro estadual.

Continua, porém, sem resposta a principal pergunta: o que teria levado Dário Berger a fazer o que fez e da forma que fez? Qual o gatilho (ou catalisador) que teria disparado o processo de interrupção do esquema, com a consequente cremação pública da sobrinha do LHS? Não teria sido, com toda a certeza, um ataque de honestidade repentina, uma crise ética, uma erisipela cívica que afetou a consciência de tão ilibados operadores da vida pública municipal, fazendo-os ajoelhar no milho e admitir que trilhavam o caminho do mal. Até porque nenhum deles admitiu ter lido o convênio antes de assiná-lo. E todos estão fazendo cara de paisagem.

Mas assim são as coisas. O prefeito Dário Berger vai para o Disneyworld descansar de fazer nada e quem fica com cara de pateta somos nós, os eleitores/contribuintes deste município dos casos e ocasos raros.

EM TEMPO

Acho que agora não tem mais volta: a restauração daquele prédio histórico terá que devolve-lo à sua função original. A cidade precisa urgentemente dessa cadeia com paredes de um metro de espessura, reforçadas com óleo de baleia. E sua localização, na praça, é muito adequada. Permite que o eleitor/contribuinte possa ver, nas grades, os malversadores do dinheiro público.

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