quinta-feira, 20 de maio de 2010

Os culpados


Diário Catarinense ; Moacir Pereira ; 20/5/2010


Tem gente querendo responsabilizar São Pedro pela carga dágua que desabou sobre a Grande Florianópolis e atingiu outros municípios de SC. Foi, realmente, chuva demais. Mas há muitos culpados, que não a natureza, nesta sucessão de desgraças que estão se abatendo com uma estranha frequência em território catarinense.

A lista é grande e dela salvam-se poucos. Começa pelas ações desastrosas contra o próprio solo. Qualquer desmatamento que se execute pode trazer graves consequências, especialmente em zonas acidentadas. É uma questão elementar, quase matemática, sobre a qual o poder público e os próprios atores dão pouca atenção. Intervenções que desprezam recomendações técnicas e agridem o meio ambiente costumam produzir de imediato seus terríveis efeitos.

Os loteamentos espalham-se como formigueiros ao redor das cidades. Na maioria dos casos, sem planejamento mínimo. Implantação ditada, quase sempre, apenas pelo interesse econômico. Há denúncias em municípios bem próximos de Florianópolis em que os empresários com projetos residenciais são chantageados abertamente. Ou pagam comissão ou não há licenciamento. Quem se corrompe pelos 20% dispensa exigências ecológicas e urbanísticas. E os empreendedores que desejam implantar um plano habitacional mais humano e não se submetem à corrupção administrativa têm seus processos arrastados por meses e anos sobre as mesas dos burocratas municipais.


Invasões


Diário Catarinense ; Moacir Pereira ; 20/5/2010


Contam-se nos dedos os condomínios e núcleos habitacionais que dividem racionalmente o espaço a ser comercializado de casas e prédios das áreas verdes e de lazer e convivência. A ganância acaba sempre sacrificando o espaço público, os canteiros floridos, os parques e os jardins. Há exemplos às dezenas, talvez centenas, espalhados pelo Estado. Na Grande Florianópolis, o Kobrasol tem sido citado como o mais desastrado projeto de vida urbana. O verde do aeroclube era para ser um bairro de casas familiares. Transformou-se em prédios de seis andares, depois uma concentração irracional de prédios de 12 pavimentos. E agora, com mais de 15. Virou um amontoado de gente, sem área verde, sem parques e sem qualquer atividade artístico-cultural. Feito o estrago, vão todos, depois, exigir estes equipamentos da prefeitura.

Partidos de esquerda costumam condenar estes especuladores. Mas praticam insanidades piores quando incentivam invasões ilegais. A Favela do Siri, no Norte da Ilha, representa um dos exemplos catastróficos destes absurdos patrocínios políticos. Não impediram a ocupação das dunas e depois não permitem remoções. O mesmo se repete nas áreas de risco ao longo dos rios, lagoas e morros das cidades catarinenses. Aí, a negligência se acentua no incentivo de políticos inescrupulosos em busca de votos e na omissão do poder público. Cada município tem seu próprio cenário, variável apenas de acordo com o perfil geográfico. Finalmente, as comunidades que provocam sua própria destruição. Não têm educação nem consciência.

Costumam transferir tudo para o poder público, como se milagroso fosse na prevenção de desastres. Querem prevenir tragédias? Convoquem os técnicos, protejam a natureza, humanizem as cidades, impeçam invasões, saneiem os loteamentos, eliminem a corrupção nas prefeituras e acabem com essa politicalha. Eles perderão votos. Mas todos salvaremos muitas vidas.

Os cinquentões e cinquentonas certamente lembram de um personagem do Chico Anísio, o Coronel Pantaleão Pereira Peixoto, mentiroso profissional, que para assegurar a seus interlocutores a veracidade do que estava dizendo, perguntava à sua velha (que estava tricotando meio distraída): “É mentira, Terta?” e ela respondia, com convicção, “verdaaade!”

Pois bem. Há quem diga que existem prefeitos que adoram uma enxurrada, uma enchete, um deslizamento, porque assim podem recorrer ao tal decreto de calamidade pública, maravilhoso abre-te-sésamo que permite contratações sem licitação, compras sem muita explicação e principalmente oculta, sob o manto da emergência, que muitas vezes é real, as cotações, as comissões, os sobrepreços e a caixinha, obrigado.

Mas é claro que o prefeito, mesmo aquele que está reforçando seu caixa de campanha, dirá que se trata de um esforço hercúleo para garantir a segurança de seus munícipes. Como ouvi no rádio, de dois prefeitos, “a hora é de cuidar das pessoas”. São ágeis e solícitos nessa hora de dor, chicoteiam seus auxiliares para que produzam imediatamente toneladas de relatórios que permitam o tal decreto e, em seguida, saem em busca das verbas estaduais, federais, internacionais, unicamente para promover o bem estar social, a estabilidade econômica, a saúde da família e o progresso do município. Olhando feio para quem suspeita da lisura de suas intenções, eles perguntam, com voz tonitroante: “É mentira, Terta?”

E aí seus fãs, loucos por uma sobrinha de caixa, gritam em uníssono: “verdaaade!”

Passada a tragédia, tudo volta a ser como dantes: os dutos fluviais são colocados (quando o são), com diâmetro menor que o recomendável, as ocupações são toleradas desde que o ocupante transfira seu título eleitoral, os rios, canais e outros escoamentos são assoreados, apertados, esquecidos e/ou cobertos, criando todas as condições para que, na próxima “chuva acima da média”, a história se repita. E aí sou que quem pergunta: é mentira, Terta?