segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Propina libera obra ilegal no litoral, diz ex-diretor

Acusação envolve o diretor de fiscalização de São Sebastião, que nega

Imobiliária afirma que transforma mezanino em terceiro andar com suíte após receber alvará da prefeitura

Fundação Pró-Costa Atlântica/Reprodução

Imóveis de alto padrão em Juqueí, no litoral de São Paulo, construídos com um andar a mais do que é autorizado pela lei

RICARDO GALLO
DE SÃO PAULO

São Sebastião, onde o metro quadrado é o mais valorizado do litoral de São Paulo, tem um esquema de corrupção para liberar construções irregulares em condomínios de alto padrão, diz um ex-diretor da prefeitura.
A legislação local permite no máximo um sobrado dotado de mezanino -pavimento sem acesso para fora da casa que ocupa 40% da área do andar inferior.
O esquema está em converter o mezanino em terceiro andar, com cômodo aberto para um terraço, o que amplia o imóvel de modo irregular -e o sujeita a demolição.
Manuel Joaquim Fonseca Corte, diretor da Secretaria Municipal de Obras por oito meses em 2009, disse à Folha que o esquema ocorre com suborno para fiscais e para o diretor da fiscalização da pasta, o engenheiro Ruy Vidal Costa, seu ex-colega.
Diante da vista grossa da fiscalização, afirmou, o empreendedor fica livre para fazer o terceiro andar.
"A fiscalização é corrupta e o diretor é corrupto", disse, sem apresentar provas. "Se você pagar, se você tiver amigos, hoje você consegue fazer o que quiser. Não posso dizer se é pagar, mas não acredito que alguém coloque o pescoço na forca se não tiver algum troco por fora."
Questionado sobre o motivo de só ter feito a acusação agora, Corte disse que antes poderia prejudicar seu filho, que era funcionário de confiança da prefeitura.
Um fiscal de obras da ativa também relata o esquema. Ele diz que registrou boletim de ocorrência em 2010.
Costa nega a acusação.
Embora ilegal, o terceiro andar está escancarado na costa sul da cidade, onde ficam as praias de Juqueí, Boiçucanga, Maresias, Baleia, Camburi e Barequeçaba.
Prospectos de empreendimentos de até R$ 4 milhões, às vezes de frente para o mar, apresentam plantas com o pavimento extra travestido de mezanino -e as imobiliárias alardeiam o benefício.
Uma das imobiliárias afirmou à Folha, por e-mail, como funciona à burla à lei: apresenta-se o projeto do imóvel como se fosse o de um sobrado com mezanino.
Uma vez obtido o habite-se, instrumento em que a prefeitura atesta que o imóvel foi construído em acordo com as leis, dá-se início à transformação do mezanino em terceiro andar.
A informação foi dada quando a Folha perguntou como o condomínio Terramar Juquehy, com casas de R$ 1,15 milhão a poucos metros da praia, tinha três andares se a lei só autoriza sobrado e mezanino.
É quando o fiscal constata a irregularidade que a propina entra, diz o ex-diretor.

INSTITUCIONALIZADO
"Desconheço", disse o secretário de Obras, Pérsio Mendes, ao ser questionado sobre corrupção na fiscalização. Tanto os fiscais como o diretor do setor são subordinados ao secretário.
Sobre o terceiro andar, Mendes admitiu tratar-se de algo "totalmente institucionalizado" em São Sebastião.
Segundo ele, fica difícil reverter a obra ilegal quando ela já está consolidada. Cabe à prefeitura aplicar instrumentos para multar o imóvel, embargá-lo e, no limite, ir à Justiça para demoli-lo, diz.
Levantamento da Federação Pró-Costa Atlântica, que reúne associações de bairro da costa sul, aponta cerca de 110 imóveis com terceiro andar na costa sul.