sexta-feira, 17 de abril de 2009

O mito do grande corrupto

Blog “O Jumento” (Lisboa) ; 17/4/2009

O grande corrupto de que todos falam é o fim de uma imensa “cadeia alimentar” que vai desde o pequeno favor de balcão ao político que chega à capital com uma mão atrás e outra à frente. Comete-se um grande erro ao imaginar que o grande corrupto é um espertalhão que ganhou uns milhões para que outro possa embolsar muitos milhões.

A corrupção não se alimenta de fenómenos isolados nem resulta de actuações individuais, na maior parte dos casos é mantida por uma imensa teia de cumplicidades.

Esta imensa rede de cumplicidade é transversal aos partidos, acima da militância política está a solidariedade com o grupo. É graças a essa solidariedade que se conseguem as nomeações ou reconduções nos cargos mais lucrativos, que se vão conquistando os lugares importantes. É por isso que algumas personalidades da nossa praça sobrevivem às mudanças de governo.

A corrupção alimenta-se da nossa cultura, como portugueses somos demasiado transigentes com a corrupção, recorremos muitas vezes aos seus favores, mas não lhe chamamos corrupção, optamos por termos como “cunha” ou “favor”. No nosso dia a dia fazemos e recebemos favores, tornamo-nos solidários com quem nos ajuda, acabamos por aprender a viver com o “esquema”.

Essa cultura não se limita ao nosso dia a dia, está presente em muitas organizações e muitas vezes chega mesmo a dominar importantes cargos de decisão. Em muitos serviços são os honestos e não os menos honestos ou mesmo corruptos que são desvalorizados ou mesmo perseguidos, quem é rigoroso recebe adjectivos bem mais desagradáveis do que os que são dados às facilidades.

Mais importante do que sonhar com a prisão de grandes corruptos é acabar com uma cultura que favorece e estimula a corrupção.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

A corrupção nossa de cada dia

Blog “A política como ela é” ; 26/3/2009

Alexandre Herculano, no século XIX, constatou:

- Há épocas de tal corrupção, que, durante elas, talvez só o excesso do fanatismo possa, no meio da imoralidade triunfante, servir de escudo à nobreza e à dignidade.

E Eduardo Galeano, no fim do XX, escreveu:

- A arte de enganar o próximo, que os vigaristas praticam caçando incautos pelas ruas, chega ao sublime quando alguns políticos de sucesso exercitam seus talentos.

Sob esse cenário é possível compreender o voto de pobreza de Pedro Simon: junto dos corruptos de alto coturno, a honestidade desespera e radicaliza.

Para sobreviver à imundice dos colegas, o senador gaúcho criou um catre medieval imaginário. Virou monge.

E o fato da Camargo Corrêa ter sido apanhada enchendo as burras dos partidos, surpreende pela ação eficaz do Estado, numa época em que os homens públicos se dedicam à alimentar a corrupção e a cuidar da própria impunidade.

Afinal, ladrão não fiscaliza ladrão. Isso explica porque o verbo do artigo 49, X, da Constituição, caiu em desuso.
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Num dos poucos estudos sobre corupção no Brasil, bancado pela Fundação Konrad Adenauer, Cláudio Weber Abramo, concluiu que:

- nos processos de licitação é onde se dá a maior parte da corrupção;

- [os contratos resultantes] de licitações viciadas, não exibem diretamente, nos números correspondentes, quanto foi desviado na forma de propinas e/ou superfaturamento;

- os candidatos gastam rios de dinheiro para se eleger, na expectativa de conseguir ganhos compensatórios muito superiores aos gastos com a sua campanha. Esses futuros ganhos podem ser de várias formas:

  • licitações viciadas em favor de suas próprias empresas, de parentes ou de contribuintes da sua campanha;
  • destinação de verbas públicas para entidades-fantasma;
  • concessão de empréstimos subsidiados, incentivos fiscais e outros subsídios para empresas amigas;
  • decisões de políticas públicas diversas que favorecem certos grupos.

Abramo lembrou que "durante as investigações da CPI do Collor, a maior parte dos depoimentos e provas materiais [vieram das] comissões cobradas em troca de contratos e licitações".

E, segundo David Fleischer, "uma das fontes de dinheiro ilícito para campanhas políticas mais freqüentes no Brasil, sempre foram as comissões pagas aos políticos que favorecem empresas e fornecedores em licitações viciadas".

A Camargo Corrêa, os políticos e partidos íntimos da empresa, a Petrobrás e os outros órgãos públicos que pagam a conta, encaixam-se perfeitamente nas cenas descritas pelos pesquisadores.
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Mas o catarinense não precisa sair por aí amaldiçoando o Sarney, o Renan Calheiros, o Jáder Barbalho e os amigos das empresas corruptoras.

Os políticos daqui são tão bons quanto esses.

Ainda terça-feira, 24, o Tribunal de Contas publicou decisão envolvendo um político de relativo sucesso e uma empresa que orgulha os conterrâneos.

O político foi multado em R$ 21 mil porque:

  • dispensou ilegalmente a licitação
  • não apresentou razões para a escolha da contratada
  • não justificou o preço contratado
  • não discriminou qualitativa e quantitativamente os serviços
  • pelo caráter genérico e impreciso da dispensa
  • pela ausência de especificações sobre o regime de execução e/ou forma de fornecimento dos serviços
  • inclusão de cláusula permitindo pagamento antecipado, sem a correspondente contraprestação dos serviços
  • pela ausência do recebimento dos serviços sem atestado ou termo circunstanciado firmado por servidor ou comissão designada para tanto

O favorecimento à empresa foi evidente. O político escolheu precisamente ela e não outra, por isso dispensou a licitação.

E como nos estudos acima aludidos, a empresa é amicíssima do político, da qual foi um dos diretores até poucos dias antes de ter sido nomeado para o cargo público.

Quem faz um cesto, faz um cento.